Você escolhe o desconforto ou o ressentimento?
Em fevereiro estava revendo a série Atlas do Coração da Brené Brown na Max (HBOMax). Série composta por cinco episódios nos quais ela aborda 30 dos 87 sentimentos que ela mapeou no livro Atlas do Coração (ainda indisponível em português.
Entre os conceitos e aprendizados que ela abordou estava a seguinte recomendação: “Escolha o desconforto ao ressentimento.”
Frase curtíssima mas de significado devastador e revolucionário para mim. Não foi a primeira vez que eu a ouvi, mas possivelmente eu tive menos condições de escutar e me debruçar sobre ela ou sobre referências semelhantes a esta a que creio que fui exposta em outros momentos, principalmente enquanto leitora dos livros dela.
Gostaria de dizer que consegui fazer essa escolha desde aquele dia que ouvi a recomendação novamente e a escutei com mais profundidade e atenção. Mas sinto que ainda tenho dificuldades de assimilar e aprender a fazer a escolha de provocar desconforto para evitar colecionar ressentimento com as pessoas com as quais tenho ou tive alguma troca.
Estava aqui inclusive me debatendo sobre até que ponto é uma escolha possível em trocas que eu tive que me causaram desconforto, quando a natureza ou a estrutura da relação já tem o desconforto naturalizado, ou quando a relação não está tão saudável quanto seria necessário estar para que todo e qualquer desconforto possa ser acolhido.
Collage digital criada por Larissa Lisboa.
Aponto dois exemplos com os quais tenho me debatido:
1º como escolher abordar num grupo que naturaliza a comunicação violenta que o mais saudável seria estabelecer limites e procurar cuidar para que a comunicação prioritariamente fosse comprometida em ser não violenta e houvesse responsabilização quando tiver uso de comunicação violenta?
Lembrando que comunicação violenta não é apenas sobre falar mal ou atacar pessoas, mas também sobre usar o ressentimento como ferramenta para se justificar, para atingir outras pessoas e/ou manipular.
Por essência os grupos do whatsapp que não estão comprometidos em ser espaços de trocas saudáveis me parecem por essência espaços para trocas pouco ou nada saudáveis.
2º como falar sobre desconforto quando o que te causa desconforto sequer é percebido pela outra pessoa como algo que pode causar tal reação?
Como saber se cavar espaço para expressar o desconforto que você sentiu de fato vai ser saudável para aquela relação, em particular para uma relação em que não parece ter espaço para abordar o que é saudável ou não naquela relação?
Outro exemplo que de uma vivência menos recente que pesa mais para que eu tema causar desconforto mais do que eu deveria:
Em 2021, como um dos efeitos de estar lendo os livros da Brené Brown, eu me guiei pela coragem, e fui cega, compartilhar com uma pessoa que eu confiava uma frustração que eu tive, a frustração não havia sido provocada por esta pessoa, mas esta pessoa tinha ligação com a situação a partir da qual eu havia me frustrado.
Eu achei que eu poderia ser sincera, que encontraria compreensão para o que eu senti, para a minha frustração, e o que aconteceu foi que eu acabei frustrando a pessoa a quem eu procurei confiar. Não diria que frustrar essa pessoa foi o problema, pois acredito que é possível construir relações saudáveis e que parte da dinâmica saudável é que as pessoas se frustrem e possam acolher a cada uma e cada uma de suas frustrações.
O problema foi que a minha cegueira não era apenas acreditar que eu deveria me guiar pela coragem e que era cabível causar desconforto falando sobre o que me causou desconforto. Minha cegueira era muito mais profunda, pois eu achava que a relação que eu tinha com esta pessoa estava saudável, e que poderia sustentar momentos desconfortáveis. Aquela relação não estava saudável, e nem eu nem a pessoa a quem eu frustrei buscou investir para que ela pudesse se sustentar em qualquer medida saudável após aquela troca de frustrações.
Parece dependendo do dia uma missão impossível, e aí eu lembro que se eu me cuidar, me acolher e me concentrar na minha respiração eu vou conseguir voltar a ver por uma perspectiva mais positiva e acolhedora.
Estava inclusive me convencendo mais uma vez que o melhor era eu nem escrever sobre isso ou derivações disso que eu descartei, ou até mesmo vir aqui escrever a newsletter esta semana. Me sentindo derrotada e que eu só conseguiria desagradar mais escrevendo sobre por aqui. Além de ser uma luta com a minha sabotadora, impostora, também era uma luta com a minha tendência a priorizar não desagradar as pessoas. Parte da minha luta sistemática, que tem dias que eu perco e dias que eu ganho, na busca por me acolher mais do que me congelar.
E parte dessa luta foi o que me levou a buscar a aprender com a Brené sobre reconhecer os meus ressentimentos e não me deixar guiar por eles, o que não significa que eu tenha aprendido a acumular eles menos ou deixar de acumular eles como seria mais saudável. Mas foi e tem sido revolucionário aprender a identificar os ressentimentos acumulados, renovados ou novos, e buscar me responsabilizar por eles para evitar quando possível que os meus ressentimentos me guiem ou transbordem na minha troca com as outras pessoas cegamente.
E também é sempre um aprendizado saudável, por mais que eu ainda consiga me convencer do contrário antes de vir aqui escrever, escrever textos para esta newsletter.