Entre rasgos e filmes
Comecei esta semana indo ao cinema na segunda à noite. Tentei lembrar qual tinha sido a minha última ida a um cinema de shopping e não consegui lembrar.
Na minha cidade a maioria dos cinemas são em shopping, o único que é cinema de rua é o do Centro Cultural Arte Pajuçara, e esta é a sala de cinema que eu mais frequentei nos últimos anos. De uma maneira geral, quanto mais investi em desenvolver a minha relação com a arte independente brasileira, menos eu priorizei assistir filmes comerciais. Mas teve também dois fatores que somaram para o meu completo afastamento de salas de cinema de shopping, os altos valores dos ingressos e o acesso aos filmes através das plataformas de streaming.
Então ir ao cinema nesta segunda foi um evento diferenciado. E se provou ainda mais diferenciado. Sabia que seria uma vivência única, pois estava na expectativa de ver o live action de Lilo & Stitch desde que vi o trailer no ano passado. Já tinha reparado também que as lojas estavam investindo em roupas com o Stitch faz alguns anos e que a tendência era que isso fosse intensificado com o lançamento do filme.
Como fã declarada do Stitch, sai com uma das minhas camisas, que tem quatro versões do Stitch. Esperava encontrar pessoas que também estivessem com as suas camisas de Stitch mas não esperava no volume que encontrei.
Mesmo que eu tivesse considerado que me sentiria conectada com pessoas que eu nem conhecia, não teria conseguido dimensionar o que vivi.
Não lembro qual foi a primeira vez que assisti ao filme original de Lilo & Stitch, nem quantas vezes eu o revi. Mas levei o afeto que conhecer Lilo e Stitch me causou comigo e ele foi renovado nos últimos anos. Fiz questão de assistir ao original enquanto me preparava para a chegada do novo filme há alguns dias.
Entre as coisas que me ajudaram a me conectar com o original, está a presença de Elvis como mito e na trilha sonora, e a inserção do patinho feio como referência e como personagem com o qual Stitch se identifica e comunica ao público como ele se vê e o que deseja.
O live action não revisitou esse dois pontos que eu elenquei acima, apenas conservou Elvis como trilha sonora.
Confesso que tinha dúvidas do quanto eu poderia gostar de uma nova versão de Lilo & Stitch, mas isso logo deixou de ser uma dúvida quando o filme começou e eu me vi rindo sozinha no cinema.
Não sei se você já teve essa experiência em filmes, talvez seja mais possível ter essa experiência no dia a dia do que vendo filmes. Mas para mim já não é mais tão incomum, rir em cenas de filmes que ninguém está rindo.
Em 2016, fui assistir O Shaolin do sertão (dir. Halder Gomes) no cinema do shopping de Arapiraca, estava com medo de não gostar do filme, mas isso se provou menos possível quando me vi tendo uma crise de riso nos seus minutos iniciais. Foi também naquela sessão em 2016 que eu aprendi a acolher que me veria rindo sozinha em outros filmes.
Como eu já conhecia também decorada a história de Lilo & Stitch, enganei-me que eu não iria chorar no filme, e eu chorei, chorei mais ainda após o final do filme enquanto os créditos passavam e eu me dava um tempinho para assimilar o quanto tinha sido intenso ver tantas pessoas reunidas, ver tantas crianças que se identificam com o Stitch várias delas carregando algum objeto que era um Stitch na versão brinquedo.
Além da intensidade da narrativa que o filme apresenta ao enfocar um personagem que foi criado para destruir mas que acaba aprendendo a amar e desejando fazer parte de uma família.
Cheguei em casa com vontade de vir aqui escrever sobre as versões dos filmes de Lilo & Stitch mas não me permiti fazer, pois o planejado era voltar aqui no dia do meu aniversário (30/05) para lançar meu novo filme e falar sobre o processo de construí-lo.
Sim, as coisas não saíram como planejei. Não pude lançar Revelação Expressa ontem.
Foi desafiador assimilar que havia desejado celebrar o meu aniversário divulgando um novo filme mas que não ia poder fazer o que havia desejado.
Foi mais desafiador porque o dia do meu aniversário é um dia que liberto mais a minha criança, a ponto de querer acreditar que tudo vai sair como eu quero, do jeito que eu quero e que serei poupada de coisas ruins.
Em contraponto enquanto uma pessoa que não economiza - nem economizou nos últimos tempos, ao investir em livros, e em ler livros sobre autocuidado, autocompaixão e acolhimento. Busquei exercitar e me dizer que eu podia seguir celebrando e aproveitando o meu dia, depois claro de dar um pouco de espaço para os sentimentos ruins que me visitaram.
Ter que lidar com coisas que não saíram como eu planejei no dia do meu aniversário não foi algo novo, e isso foi combustível para os sentimentos ruins ousarem permanecer.
Outra coisa que eu havia planejado para o dia do meu aniversário foi revisitar fotografias da minha infância, o que eu consegui fazer. Tirei meus álbuns com fotografias em sua maioria analógicas, feitas por minha mãe, por mim ou por outras pessoas, e fui revistando momentos bons e alguns não muito bons.
Fui também encontrando fotografias escondidas, e sentindo que elas não se comunicavam comigo e que estava apenas fazendo volume no álbum. Fui separando muitas fotografias que eu não queria mais e fui me permitindo rasgá-las.
A experiência de rasgar fotografias está presente na narrativa que eu construí em Revelação Expressa. Pois pouco antes de criar as fotografias digitais que animei em Revelação Expressa, havia revisitado álbuns meus, encontrado fotografias que não queria mais e rasgado. Cogitei apenas descartar, mas me lembrei que poderia usar para criar alguma animação.
A minha relação com o rasgo, com o rasgar, de criar a partir de imagens rasgadas ficou ainda mais presente nos últimos dois anos nas minhas collages artesanais.
E ainda assim me surpreendi ontem, pois não havia percebido de cara que ao desejar rasgar as fotografias e me permitir rasgá-las estava ampliando o acervo de pedaços de fotografias rasgadas para collage e animação; estava revisitando uma parte do processo do meu filme; e estava fazendo um exercício terapêutico.
Sobre o processo de Revelação Expressa
Em outubro de 2021, participei da oficina on-line “Memórias Viajantes – Recriando o Tempo em Animação” ministrada por Diego Akel durante o 11º Animage. Nela aprendi a criar um mini estúdio improvisado para animar, e entre os exercícios que fotografei e animei, criei algumas das cenas de Revelação Expressa.
Na época da oficina meu filme mais recente era Negativo, que como o próprio nome diz tem a ver com o processo de fotografia, assim como fica expresso pelo nome Revelação Expressa. Não era difícil assimilar que Negativo e Revelação Expressa se conectavam. Mas precisei testar montar as cenas para entender o quanto eles se conectavam e o quanto eu queria conectá-los.
Resisti um pouco em colocar cenas de Negativo em Revelação Expressa, mas fui sentindo que fazia sentido e isso me parece enfim ter ficado mais forte com o passar do tempo.
A energia destes dois filmes é oposta, e creio que isso também fica expresso já a partir dos títulos.
Revelação Expressa foi feito com materiais arquivados, e ironicamente teve duas temporadas na gaveta. Primeiro porque tive dificuldade de imaginar qual seria a sua trilha sonora e segundo porque ele recebeu seu desenho de som e trilha sonora na mesma época que Turu Turu, e eu não dei conta de me dedicar aos dois filmes ao mesmo tempo.
Como falei na newsletter anterior, semana passada reli a news que escrevi falando sobre o processo de Turu Turu e foi quando me veio a lembrança de Revelação Expressa, e enfim o estímulo para tomar a decisão de colocar ele no mundo.
Sei que Revelação Revelação Expressa é um filme atemporal, que vai representar a minha relação e paixão pela fotografia de diversas maneiras hoje e no amanhã também. E por isso acreditei que seria mágico e simbólico que ele fosse lançado no dia do meu aniversário.
Ainda estou processando que rolou problema na finalização dele, e isso ajuda a que eu tenha menos disposição de procurar e acreditar na magia de novo. Mas não duvido da potência e de que chegou o momento de lançar esse filme.
Em contraponto, observo a presença da minha criança no meu afeto por Lilo & Stitch, na minha liberdade de sorrir ao ver pessoas com camisas do Stitch e em dar risadas quando ninguém mais está rindo no cinema; no desejo de lançar um novo filme, mesmo quando eu me disse que não buscaria fazer um novo filme esse ano; na dificuldade de assimilar que as coisas muitas vezes não saem como planejamos; na crença em magia e na descrença também; ao me permitir rever fotografias e rasgar também; na minha relação com a criação artística; e na minha incansável busca por conexão.
Um presente que o dia de ontem me deu foi o de poder começar uma nova série de collages.